28.3.09

Grupo de trabalho sobre Jornalismo Local e Regional


O desafio de informar sobre o que está próximo


Num mundo em que o ponto mais longínquo está à distância de um simples clique, o jornalismo local e regional pode ser encarado como um elo que pode assegurar a manutenção dos traços de identidade das diferentes comunidades e garantir a audição de vozes cada vez mais dispersas, ao mesmo tempo que se apresenta como um espaço para a participação cívica de pessoas que correm o risco de ser vergadas pelo peso da homogeneização cultural.


Contudo, abordar de uma forma genérica o jornalismo local e regional não é uma tarefa fácil, uma vez que este campo inclui realidades muito diferentes, que vão desde o jornal de tradição familiar até publicações de grupos económicos com interesses noutras áreas de actividade. A missão torna-se ainda mais complexa se tivermos em conta que as comunicações são mais globais a cada dia que passa, criando um cenário no qual, para além da ligação territorial, a afinidade cultural ou a comunhão de interesses são factores a ter em conta quando se fala da designada informação de proximidade.


Os novos meios de comunicação alargaram o leque de actores neste sector, que num passado não muito distante se restringiam fundamentalmente aos jornais, que muitas vezes chegavam pelo correio aos sítios mais distantes já com alguns dias de atraso, e às emissoras de rádio, com um alcance de frequência limitado. Com o aumento das facilidades de comunicação, quer através da abertura de novas vias, que permitem percorrer longas distâncias em menos tempo, quer através da Internet ou do cabo, surgiram novas possibilidades para o sector.


Os jornais e as rádios passaram a ter presença online, tal como as televisões de âmbito local/regional que, entretanto, começaram a despontar na Internet. Assistiu-se ao aparecimento de projectos pensados exclusivamente para a “Net” As publicações gratuitas, sejam de âmbito nacional ou local, tornaram-se uma realidade em Portugal, acompanhando um fenómeno mundial. Os grupos de comunicação também ganharam dimensão a nível regional e local, à custa de lógicas empresariais nem sempre valorizadas por alguns agentes deste sector. De facto, a par de todas estas mudanças, houve projectos que se mantiveram inalterados, continuando a viver fundamentalmente devido à força de vontade de autênticos homens de sete instrumentos, que no caso da imprensa tratam de todas as dimensões do jornal, desde a angariação de publicidade, à escrita dos textos, à paginação e ao trabalho administrativo.


Perante esta diversidade, que vai desde os projectos inteiramente amadores aos inteiramente profissionais, importa perguntar: o que é que distingue, afinal, o dito jornalismo de proximidade? O que é que têm em comum um jornalista de uma rádio local, de um diário regional ou de uma WebTV? E como é que pode ser classificado um correspondente local de um jornal de âmbito dito nacional? A propósito da Famalicão TV (http://www.famalicao.tv), que surgiu a 9 de Dezembro de 2005, Paulo Couto, sintetizando a filosofia do projecto, dizia que «é preciso que alguém vá ao fim da rua já que as televisões convencionais vão ao fim do mundo» (in Pinheiro, 2006, 23 de Maio). Esta ideia traduzirá o espírito deste tipo de jornalismo: informar sobre o que está próximo.


Se este texto fosse uma reportagem sobre esta temática, provavelmente ele teria começado pela “estória” de uma jornalista que cumpriu a missão (impossível) de cobrir três eventos que se realizavam à mesma hora. Ou, então, falaria do jornalista que, de manhã, teve de fazer uma notícia acerca da contestação ao responsável por uma instituição à qual, de tarde, teve obrigatoriamente de recorrer como utente.


Exemplos como estes não serão difíceis de apontar por quem conhece a realidade do jornalismo local e regional e constituem um bom ponto de partida para a reflexão sobre algumas das questões mais prementes que se põem a este sector, nomeadamente os modelos empresariais a seguir num momento cheio de interrogações, os recursos materiais e humanos existentes para a prática jornalística, os desafios colocadas pela convergência e integração e o relacionamento com as fontes de informação. Mas, se pensarmos bem, embora com algumas cambiantes específicas, estes também são, afinal, os problemas que preocupam os meios de comunicação social de forma transversal, independentemente do seu âmbito territorial.


O calcanhar de Aquiles recorrentemente apontado aos projectos de âmbito local e regional está relacionado com a sua debilidade a nível empresarial , traduzível na dependência dos apoios do Estado e na maior vulnerabilidade face aos poderes da área geográfica de implantação. Os magros quadros de pessoal são um dos aspectos visíveis dessa escassez de recursos. Com o advento do digital houve, aliás, quem depressa pensasse ser possível ter um projecto informativo sem jornalistas, a partir da informação recebida na caixa de correio electrónico. É verdade que em muitos casos os textos já chegam às redacções em formato de notícia, desde o título até à legenda, criando a ilusão de que estão prontos para publicação. Mas é isso que os meios de comunicação querem? Ser um porta-voz acrítico das fontes de informação?


Se a falta de oferta formativa a nível superior está colmatada, com a multiplicação de cursos na área das Ciências das Comunicação, a verdade é que os jornalistas se debatem agora com um novo desafio, que é a adaptação à realidade criada pela Internet. Cada vez mais é pedido aos jornalistas que apresentem produtos multimédia, mas o mais provável é que sem formação específica, e por muito boa vontade que haja, o produto não tenha a qualidade que seria desejável. Algo semelhante se passa quando lhes é exigido que carreguem, simultaneamente, bloco e caneta, gravador, máquina fotográfica, câmara de filmar e que, depois, façam produtos para meios diferentes, mas no mesmo tempo que tinham anteriormente. Por isso, importa questionar quantos são os jornalistas deste sector, que por vezes é pejorativamente chamado de “jornalismo de província”? Quanto ganham? Que condições de trabalho têm? O trabalho nesta área é apenas uma boa escola e uma rampa de lançamento para chegar aos “grandes”? É possível construir percursos profissionais relevantes neste sector?


Para além disso, a proximidade – que é uma mais-valia dos órgãos de informação locais e regionais – acaba por ser também um constrangimento para o desenvolvimento da actividade jornalística. Por um lado, estabelecem-se relações com as fontes que aconselham a alguma cautela na hora de divulgar uma informação porque se pode fechar definitivamente uma porta importante para outras “estórias” e com a qual o jornalista se pode cruzar ao virar da esquina. Nas palavras de Ricardo Carvalheiro (1996: 5), «num meio pequeno chega a haver um autêntico trabalho de malabarista, com o jornalista à procura de delicados equilíbrios em que seja possível não hostilizar as fontes – sob pena destas “secarem” – sem deixar de noticiar os factos». Por outro lado, existe a legítima expectativa por parte das instituições locais/regionais – que normalmente não têm recursos que lhes permitam ter cobertura por parte dos media nacionais – de que os meios de comunicação da “terra” lhes dêem ouvidos. Isso traduz-se – numa altura em que se regista a profissionalização das estruturas de comunicação – na multiplicação de eventos e de comunicados, que fazem com que a agenda diária fique normalmente suficientemente preenchida para “ocupar” todos os jornalistas, reduzindo a margem de iniciativa das redacções.


Com as novas tecnologias, com a vulgarização do email e dos telemóveis de terceira geração, o público está muito mais próximo dos jornalistas, alertando-os para as situações que pretende denunciar em tempo real, o que pode corresponder aos interesses dos meios de comunicação em proporcionar informação que diga respeito ao quotidiano das pessoas. Não nos podemos esquecer que a aposta no “hiperlocal” tem vindo a ganhar terreno num mundo “hiperglobal”. Estarão estas potencialidades a ser aproveitadas?


Com o aumento em número e variedade de actores que actuam na área do jornalismo de proximidade, as empresas vêem-se num cenário de competição pelos leitores/ouvintes/telespectadores. A profissionalização parece ser o caminho a seguir, tanto a nível dos departamentos comerciais, como das redacções, especialmente porque a tendência é para a continuação da diminuição dos apoios estatais. As empresas poderão igualmente avançar para a criação de mais grupos, tirando proveito das sinergias entre vários títulos ou da junção de projectos de televisão, rádio, jornal em papel e online. Neste quadro, que espaço restará para os projectos que não seguirem este caminho?


Luísa Teresa Ribeiro


Referências bibliográficas

Brinca, Pedro (2006). “Setúbal na Rede: o caso de um projecto pioneiro”. Comunicação e Sociedade, vol. 9-10, pp. 147-150.


Carvalheiro, José Ricardo (1996). Os media e os poderes locais. [Em linha] URL: http://www.bocc.ubi.pt/pag/carvalheiro-ricardo-Media-poder.pdf.

Duarte, Feliciano Barreiras (2005). Informação de proximidade. Lisboa: Âncora Editora.


Pinheiro, Susana (2006, 23 de Maio). As televisões que vão ao “fim da rua” na Internet. Diário de Notícias [Em linha] URL: http://dn.sapo.pt/2006/05/23/media/as_televisoes_vao_fim_rua_internet.html (Acesso a 14/03/2009).


Setúbal na Rede – Portal do Distrito. [Em linha] URL: http://www.setubalnarede.pt/.

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